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DITADURA MILITAR E A UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO: A ATUAÇÃO REPRESSORA DA AESI/UFES ENTRE OS ANOS DE 1974 E 1975 A

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DITADURA MILITAR E A UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO: A ATUAÇÃO REPRESSORA DA AESI/UFES ENTRE OS ANOS DE 1974 E 1975 Ayala Rodrigues Oliveira Pelegrine1 Leonardo Baptista2 1. A REPRESSÃO NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS A PARTIR DE 1970 Durante os vinte e um anos em que vigorou a ditadura militar no Brasil – entre 1964 e 1985 –, a coerção policial, a censura, o controle do processo político e o domínio arbitrário do poder Executivo sobre os demais poderes marcaram a vida política nacional. Nesse período, a repressão política é prática essencial nas relações estabelecidas pelo Estado com suas instituições e seus cidadãos. Segundo Mariana Joffily (2014, p.158), a repressão política “abarca uma diversidade extensa de atos, entre os quais incluem cassações, intervenções, censura, leis autoritárias, ameaças, vigilância, suspeição exacerbada, demissões injustificadas”. Em maior ou menor grau, um inventário de ações autoritárias foi praticado pelo regime militar durante todo o período de sua vigência no país3. Supostamente em defesa da ordem e dos valores morais da sociedade brasileira, um poder autoritário foi construído para combater opositores políticos – indivíduos, movimentos e organizações – e o que era identificado como “ameaça comunista” (MOTTA, 2014). De acordo com o historiador Rodrigo Patto Sá Motta (2014, p. 12), a repressão foi um elemento basilar da política de modernização conservadora e autoritária dos governos
1 Graduada em História pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e mestranda no Programa de Pós-
Graduação em História Social das relações Políticas da UFES.
2 Graduado em História pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e mestrando no Programa de Pós-
Graduação em História Social das relações Políticas da UFES.
3 É exemplar da opção repressiva pela ditadura o fato de que, já nos seus primeiros anos, a presidência do
general Castello Branco (1964-1967) – algumas vezes classificada como branda por alguns estudiosos – tenha fortalecido a interferência militar na sociedade, resultando em prisões políticas, exílios, tortura, mortes, cassação de mandatos, suspensão de direitos políticos e anulação da estabilidade dos funcionários públicos civis e militares (GASPARI, 2002, p. 130-131). Da mesma forma, entre 1975 e 1976, no contexto da chamada distensão do governo Geisel (1974-1979), membros de partidos clandestinos, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PC do B), também foram exterminados pelo aparelho repressivo do governo (RIDENTI, 2014, p.39).

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militares no Brasil, que conduziam o país sob a lógica do “desenvolvimento com segurança”. Buscava-se promover o desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico ao mesmo tempo em que se pretendia “conservar” as tradições morais e a ordem social do país – tradicionalmente elitista e desigual. Nesse projeto, as ações repressivas seriam instrumentos para remover obstáculos aos anseios modernizadores do governo e para combater as ações revolucionárias de esquerda e as demais formas de “subversão” e “desvio” políticos e morais. Assim, a construção de uma estrutura legal e burocrática, que desse respaldo às ações repressivas do Estado autoritário, processou-se desde 1964. Conforme analisa o historiador Marcos Napolitano (2014), desde seus primeiros movimentos, o governo instalado pelo golpe civil-militar se configurava, gradativamente, numa ditadura. Entre 1964 e 1967, durante o governo de Castelo Branco, a repressão aos opositores e o fechamento do sistema político, com o reforço do Executivo, cristalizavam-se por meio da outorga dos Atos Institucionais, da Lei de Segurança Nacional, de uma nova Constituição (1967)4. A partir de 1968, iniciou-se o período de maior intensidade da repressão política. A posse do general Arthur Costa e Silva, no ano anterior, significou a ascensão ao poder da chamada “linha-dura”5 (ANGELO, 2009, p.63), ala militar defensora do reforço das atividades repressivas contra os “inimigos” do regime e da nação. Diante da explosão dos movimentos de resistência e do crescimento das ações armadas dos agrupamentos revolucionários, os setores da extrema-direita militar encontraram ambiente propício para seus anseios repressivos6. Nesse quadro, assistiu-se ao enrijecimento do regime militar, cujo marco fundamental foi a
4 Questionando o caráter liberal do governo de Castelo Branco, Napolitano (2014, p.81) afirma que “apesar de
passar para a história como um presidente ‘liberal’, o general foi o que mais cassou os direitos políticos e os mandatos parlamentares. Além disso, ele colaborou na estruturação das bases jurídicas do regime autoritário, com vistas a uma ação político-institucional de longo prazo”.
5 Mariana Joffily (2013, p.25), indica que a expressão “linha dura” designava um “grupo de militares de
extrema- direita, disseminados pelos quartéis, que defendiam o uso da violência como instrumento de afirmação do poder”. A autora aponta para a dificuldade na polarização entre uma ala moderada e uma ala dura no que tange à postura em relação à repressão política do regime, haja vista que mesmo os relacionados ao primeiro grupo também apoiavam, em determinadas circunstâncias, posturas radicais. Carlos Fico (2001, p. 23) também alerta que, por militares, devemos entender um grupo de diferentes posições ideológicas sobre o aparato repressivo do Estado. Deve-se pensar além dessa divisão, que procura homogeneizar os indivíduos, para melhor compreender as ações repressivas da ditadura.
6 A radicalização repressiva não deve ser entendida somente como uma resposta pontual da ditadura ao
crescimento da resistência, a partir de 1967. Conforme aponta Fico (2001, p.64), desde o golpe, os setores radicais exerciam forte pressão sobre o alto comando militar, com intuito de elevar o nível da repressão política e finalizar a “operação limpeza” da sociedade brasileira - neutralizando corruptos, subversivos, desordeiros e comunistas.

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decretação do Ato Institucional nº5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968. Além de viabilizar maior fechamento do sistema político brasileiro, dando amplos poderes ao Poder Executivo, o AI-5 ampliou os mecanismos de controle e repressão à sociedade7. Além disso, o Ato representou o caminho jurídico para a nova estrutura repressiva, concedendo maior liberdade de ação aos agentes da repressão, legalizando e institucionalizando práticas antes ilegais8 (JOFFILY, 2013, p.27). Doravante, o Brasil experimentava seus chamados “anos de chumbo”, expressão que ilustra a rigidez do governo seguinte, sob comando do general Emílio Garrastazu Médici9 (1969-1973). No período, consolidou-se a especialização dos sistemas de segurança e informação do regime através da capilarização de uma rede repressiva institucional – o “sistema de informações10” incumbida de vigiar e combater organizações e indivíduos considerados subversores. Originava-se, assim, a “comunidade de segurança e informação” (FICO, 2001, p.17-18), estruturada num conjunto de órgãos e profissionais especializados na coleta e armazenamento de dados da subversão no país. O Serviço Nacional de Informação (SNI), criado em 196411, centralizava suas ações, reunindo e produzindo informações para a segurança nacional, com apoio de suas agências espalhadas pelo país. Ele alimentava o Sistema Nacional de Informações (SISNI), que abastecia a presidência de dados para a tomada de decisões12, e regulava os Sistemas Setoriais dos Ministérios Civis, compostos por órgãos de informações instalados nos ministérios, autarquias e empresas estatais. (FICO, 2001, p.81-83).
7 O AI-5 suspendeu as garantias constitucionais dos cidadãos por prazo indeterminado; ampliou os poderes
discricionários do presidente; fechou o Congresso; cassou membros dos únicos dois partidos autorizados a existir pelo Ato Institucional nº 2 (1965), a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), mantendo o primeiro sob total subserviência do Estado e o relegando o segundo à quase impotência; institucionalizou a censura (MENDONÇA; FONTES, 1988, p.45-46).
8 Segundo Joffily (2013, p.27), “o AI-5 aboliu o habeas corpus para os crimes políticos e permitiu que as prisões
prescindissem de acusação formal e de mandado judicial”. Afrouxavam-se as limitações legais para o combate violento aos representados como subversivos.
9 O general Médici foi eleito em 1969, por uma Junta Militar, para ocupar o vazio presidencial causado pelo
falecimento de Arthur da Costa e Silva, no mesmo ano.
10 Além dos órgãos criados para atuar na produção e na coleta de informações, a Comunidade contava com
órgãos de segurança voltados para execução de tarefas operacionais, prisões e apreensões como o Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). Para um maior detalhamento da estrutura e das funções dos órgãos da Comunidade de Segurança e Informação, ver Fico (2001).
11 Importante citar que a criação do SNI ocorreu em junho de 1964, no início do regime, denotando a precoce
preocupação militar com a vigilância e a produção de informações sobre os inimigos políticos.
12 As diferentes instituições de segurança nacional possuíam sistemas de informação específicos para assuntos
militares: o Centro de Informações do Exército (CIE), o Centro de Informações da Aeronáutica (CISA) e o Centro de Informações da Marinha (CENIMAR) (FICO, 2001, p.85).

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Nos ministérios civis, o monitoramento das atividades e dos funcionários era realizado, desde 1967, pelas Divisões de Segurança e Informações (DSI). A partir de 1970, sob a coordenação do SNI, elas foram reforçadas e ramificadas com a criação das Assessorias Especiais de Segurança e Informações (AESI) - ou, a partir de 1975, Assessorias de Segurança e Informações (ASIs) (MOTTA, 2014, p.194-195). A DSI do Ministério da Educação (DSI/MEC) foi uma das mais atuantes no período, incumbida, principalmente, de cuidar da vigilância e do monitoramento dos campi brasileiros (FAGUNDES, 2013, p. 299). No contexto de uma guerra subversiva imaginada, as atividades políticas nas universidades recebiam bastante atenção da comunidade de segurança e informações da ditadura, uma vez representadas como terreno fértil para infiltração e difusão das utopias revolucionárias comunistas (MOTTA, 2014). Dessa forma, a partir de 1971, as universidades públicas foram coagidas a criar suas específicas AESIs. Legalmente, as ações das agências foram respaldadas pelo Decreto-Lei 477/6913, que legislava o controle e a repressão a professores, alunos, e funcionários de estabelecimentos de ensino acusados de cometerem infrações disciplinares. Ao mesmo tempo, como verifica Motta (2014), suas atividades obedeciam a decretos e normas de caráter sigiloso, lançados pelos chefes dos DSI/MEC, a fim de efetivar sua política repressiva nas universidades. Segundo as normas que regulavam seu funcionamento, sua função era apoiar as reitorias universitárias nas questões ligadas à segurança. Todavia, na prática, elas atendiam às determinações do Plano Setorial de Informações, prestando à DSI/MEC informações requisitadas, produzindo contra-informações e alimentando os sistemas de segurança e informação. Conforme constatado pela Comissão Nacional da Verdade em seu relatório final (BRASIL, 2014, p.277), as Assessorias se concentravam na produção de informação e contra-informação, na monitoração estudantil e na triagem de professores e funcionários. Seus agentes eram formados tecnicamente pela Escola Nacional de Informações (EsNI) e conheciam os manuais de segurança, elaborados pelo sistema de informação (MOTTA, 2014, p.198).
13 De acordo com Luiz Antonio Cunha, o Decreto-lei nº477, de 26 de fevereiro de 1969, era decorrência natural
do AI5, aplicado aos professores, alunos e funcionários das instituições de ensino, proibindo qualquer manifestação de caráter político nas instituições de ensino. Para mais informações, ver: CUNHA, Luiz Antonio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 12. ed, 1991.

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A intensificação das atividades repressivas nas universidades públicas refletiu o contraditório projeto modernizante-conservador e autoritário do regime. A dimensão desenvolvimentista dessa política acelerou o processo de crescimento econômico e de expansão industrial do país – ocasionando o “milagre econômico” brasileiro. Além disso, investiu na reestruturação física das universidades, com a ampliação das vagas e o incentivo à pesquisa, implantando uma reforma universitária que expressava seus anseios modernizantes. O objetivo era conectar as universidades ao projeto de desenvolvimento do país, considerando-a como espaço fundamental para a síntese entre o econômico e o social e para a formação da elite intelectual que sustentaria o avanço científico e tecnológico nacional14. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que as universidades experimentavam a expansão do ensino superior, a dimensão repressiva zelou pelo reforço das ações de vigilância e de repressão nos campi, limitando a autonomia acadêmica e a produção e a circulação dos saberes e das manifestações criativas. O aumento da repressão revela o inegável caráter autoritário da cultura política15 produzida e partilhada pelos servidores do regime, que se pautava em representações, tradições, ideias, valores e sentimentos anticomunistas16 e justificava as violações cometidas contra os direitos individuais dos cidadãos brasileiros, a autonomia universitária e a liberdade dos estudantes, professores e servidores - através de práticas como a tortura, o banimento, o expurgo, o afastamento, a aposentadoria forçada. Nesse suposto combate ao “inimigo vermelho”, proliferaram-se as AESIs, acirrando as práticas de vigilância e repressão no cotidiano das comunidades universitárias Na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), a agência foi instalada em 1971 (FAGUNDES, 2013, p. 306) e a investigação histórica de suas ações tem sido possibilitada, desde 2012, pelos trabalhos da Comissão da Verdade UFES (CV/UFES), que localizaram milhares de documentos reveladores do cotidiano da atuação repressiva na instituição. A chefia da AESI/UFES ficou a cargo do advogado Alberto Monteiro, o qual chegou a cursar a Escola Superior de Guerra como representante da UFES no ano de 1972 e teve como um de
14 Motta (2014, p.56) afirma que a reforma universitária efetivada em 1968 tinha como objetivo aplacar os
movimentos estudantis que, desde 1967, radicalizavam suas ações pela reformulação estrutural e pedagógica das universidades brasileiras. Esperava-se que os projetos reformistas resultassem na desmobilização dos focos de resistência nos campi.
15 Sobre a discussão acerca das culturas políticas, consultar: BERSTEIN, Serge. A Cultura Política. In: RIOUX,
Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean François. Para uma história cultural. Lisboa: Estampa, 1998; e MOTTA, Rodrigo Patto de Sá (org.). Culturas Políticas na História: novos estudos. Belo Horizonte: Argumentum/ FAPEMIG, 2009
16 Sobre o assunto, consultar MOTTA (2012).

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seus principais trabalhos o estudo da infiltração comunista na Universidade e do seu grau de ameaça para a segurança nacional17. Nota-se que a chefia de um órgão do sistema de informação do regime militar ficara a cargo de um civil, mas, que, em certa medida, militarizava-se ao ser formado ideologicamente pela ESG e seus manuais de segurança e combate aos inimigos internos da nação. Caberia, talvez, também questionar, em que medida esses agentes civis da repressão também não seriam representados pela comunidade universitária como “indivíduos militarizados” ou “policiais” a partir da função que exerciam e das práticas que adotavam. 2. REPRESSÃO NA UFES: AS AÇÕES DA AESI ENTRE 1974 E 1975 Os estudos realizados com parte da documentação localizada na UFES, especificamente sobre os anos de 1974 e 1975, permitem alguns apontamentos dos aspectos que marcaram as atividades repressivas no cotidiano da instituição capixaba. Nesse período, teria início o processo de “abertura democrática”. Promoveram-se alterações no regime que, paulatinamente, entre avanços e recuos, o liberalizaram. Com a presidência do general Ernesto Geisel (1974-1978), originou-se o processo de “distensão”, de forma lenta, segura e gradual, permitindo uma relativa flexibilização do sistema político ditatorial, mas ainda sob controle militar (COUTO, 1999, p.134). Nesse sentido, o caráter controlado da abertura e a influência dos comandos militares dos órgãos de segurança e informação criaram condições para a permanência da repressão nas instituições e na sociedade brasileira. Como define Napolitano (2014), a política de distensão tratava-se de mais uma etapa do processo de institucionalização de um regime militar autoritário. Ela deve ser entendida como um conjunto de medidas adotadas mais especificamente até 1977, que combinou a institucionalização da exceção, a descompressão pontual, restrita e tática, como um projeto estratégico de retirada militar para os quartéis. Dessa maneira, ao lado da abertura relativa de espaços democráticos, o governo Geisel (1974-1979) considerava, naquele contexto, a repressão como insuficiente e arriscada para tutelar o sistema político, sob o rico do governo
17 Essas informações constam de um documento oficial, produzido pelo próprio Alberto Monteiro, no estado da
Guanabara em 15 de junho de 1972, e remetido ao diretor da Escola Superior de Guerra. No documento, o chefe da AESI se apresentava como representante da UFES na Escola e pedia apoio com a sugestão de medidas que pudessem ser incluídas em seu trabalho. Acervo Comissão da Verdade UFES. Ofício s/n. Vitória: 1972

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se isolar dele. Ao mesmo tempo, não se abria mão das ações dos órgãos repressivos, na medida em que se entendia como necessária a segurança do processo político, ou seja, a manutenção do controle militar. Dessa forma, a manutenção do discurso acerca da necessidade de controlar possíveis focos subversivos na sociedade manteve atuante a espionagem e o controle sobre indivíduos e organizações. Afastada a ameaça da luta armada desde o início de 1974, o aparato repressor da ditadura militar brasileira buscou legitimar sua existência, fomentando “novas ameaças” e reforçando a imagem de seus principais inimigos (FICO, 2001, p.133). Assim, o monitoramento da vida universitária também foi preservado, e continuou recebendo significativa atenção dos sistemas de informação. Neste sentido, a partir da análise dos documentos produzidos pela AESI/UFES entre os anos de 1974 e 1975, início do governo Geisel (1974-1979), pode se suscitar a ideia de que, ao se verificar a rotina repressiva instalada no cotidiano das universidades brasileiras nesse período, é possível evidenciar o caráter seguro e ainda militarizado do processo político de liberalização do regime militar propalado pela política de distensão. Os documentos tratados a seguir se referem, mais especificamente, ao intercâmbio de informações confidenciais entre AESI/UFES e os Centros de Ensino de Artes (CAR), Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE), Estudos Gerais (CEG) e de Biomédicas (CBM) da UFES. Com intuito de buscar uma melhor apresentação textual ao leitor, adota-se aqui uma organização do texto de forma temática, a partir das funções e tipos de atividades assumidas e exercidas pela referida agência de vigilância no cotidiano da universidade entre os anos de 1974 e 1975. 2.1 A AESI/UFES entre 1974 e 1975 Entre os anos de 1974 e 1975, os ofícios que circularam entre a AESI e os Centros da UFES permitem verificar a busca pelo controle sobre entrada e saída de estudantes nos cursos. A especificação desses indivíduos indica uma possível preocupação com a entrada e a circulação de elementos considerados “indesejáveis” na universidade. Visando localizar estudantes, pedidos de busca oficiais e confidenciais foram destinados às diretorias dos Centros a fim de

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coletar dados acerca de possíveis matrículas e solicitações de transferência. Em 11 de março, a AESI/UFES solicitou ao Centro de Artes (CAR)18, ao Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE)19, e ao Centro de Biomédicas (CBM)20, informações acerca da possível matrícula, no sistema seriado, dos estudantes Luiz Inácio e Oswaldo Pacheco. Ambos os Centros remeteram, respectivamente, nos dias 1221 e 1322 de março, respostas oficiais negativas sobre a matrícula dos alunos procurados. A documentação analisada também evidencia o papel exercido pela AESI/UFES como elo entre o sistema de segurança e informação e a vida universitária. Nesse sentido, percebe-se a postura da agência no sentido de tentar assegurar a aplicação das punições a estudantes que teriam infringido os artigos do Decreto-lei 477/69 e os regimentos internos da universidade. Em 1974, por exemplo, a AESI/UFES informou a decisão do Ministério da Educação que proibia a matrícula em estabelecimento de ensino, por três anos, de estudantes enquadrados no inciso II, § 1º do art. 1º do Decreto-Lei nº 47723. Assim, foram punidos os alunos Marcelo Amorin Netto (CBM); Jorge Luiz de Souza (CCJE); Adriano Sisternas (CT); Angela Milanez Caetano (CEG); Iran Caetano (CBM); Gustavo Pereira do Vale Neto (CBM); e José Willian Sarandy (CCJE), conforme os comunicados oficiais enviados em 05 de abril, ao CAR24, ao CBM25 e ao CCJE26. Apesar do ofício expedido pela AESI não especificar a infração cometida por aqueles universitários, o conteúdo do decreto-lei e o artigo no qual os mesmos foram enquadrados, indicam uma provável acusação por atos de subversão e/ou desordem nos campi, que, possivelmente, também teriam sido averiguados pelos agentes repressivos atuantes na universidade. Além disso, a AESI/UFES fiscalizava a manutenção de matrícula de alunos que estavam sendo processados pelo MEC. Em 22 de janeiro de 1974, comunicou, oficialmente, à direção do CBM o impedimento de matrícula dos estudantes Gustavo Ferreira do Vale Neto e Marcelo Amorim Netto “até decisão do Ministro da Educação e Cultura, no processo sumário
18 Acervo Comissão da Verdade UFES. Ofício 050/74 – AESI/UFES. Vitória: 1974. 19 ________. Ofício 053/74 – AESI/UFES. Vitória: 1974. 20 ________. Ofício 054/74 – AESI/UFES. Vitória: 1974. 21________. Ofício 059/74 – CAR/UFES. Vitória: 1974. 22________. Ofício 129/74 – CCJE/UFES; Ofício 01/74 - CBM/UFES. Vitória: 1974 23 Para consulta ao texto integral do Decreto-Lei 477, ver: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/1965-1988/Del0477.htm. Acesso em 11 de fevereiro de 2015.
24 Acervo Comissão da Verdade UFES. Ofício 079/74 – AESI/UFES. Vitória: 1974. 25 ______. Ofício 080/74 – AESI/UFES. Vitória: 1974. 26 ______. Ofício 082/74 – AESI/UFES. Vitória: 1974.

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em que foram indicados conforme o Decreto-lei 477, instaurado pela Portaria nº2, de 07 de agosto de 1973, do magnífico reitor da UFES”27. O controle e a triagem ideológica do corpo docente universitário também incorporavam o rol de ações da AESI/UFES. Em contato com os documentos, percebe-se a tentativa de constante monitoramento sobre professores, evidenciando-se preocupações de fundo político- ideológico. Dessa forma, interessava à chefia da AESI/UFES tomar conhecimento dos nomes e perfis dos docentes que atuavam na universidade. Por isso, em 11 de junho de 1974, a agência solicitou, em nível de urgência, ao CCJE28, ao CAR29 e ao CBM30, uma lista nominal dos professores em atividade em seus departamentos. A conduta moral e profissional dos professores também era observada. Nessa direção, os horários de trabalho dos docentes eram alvos da fiscalização da AESI. Em ofício de 25 de abril de 1974, a agência informou às direções do CAR31 e do CBM32 que tinha ciência de professores que não cumpriam sua carga horária, principalmente, os de regime integral. Nesses termos, solicitava a relação das disciplinas, departamentos e horários dos profissionais que lecionavam naquele regime. Ambas as diretorias remetem resposta oficial enviando os dados solicitados: o CAR/UFES em julho33 e o CBM em agosto34. O controle por meio da censura à circulação de obras e ideias consideradas “subversivas” também foi presente nas ações da AESI/UFES. Segundo Motta (2014, p.221), a DSI/MEC não tinha poder formal para censurar publicações e, muitas vezes, usou meios indiretos de pressão para exercer essa tarefa. Em 18 de novembro de 1974, as direções do CAR35 e do CBM36 foram comunicadas oficialmente, pela AESI, sobre a proibição, lançada pelo Ministério da Justiça, da circulação de alguns livros, por exteriorizarem matéria contrária à moral e aos bons costumes. Caso fossem encontrados exemplares das obras seguintes, os Centros deveriam recolhê-las e enviá-las imediatamente à AESI: “Sileen Idol”, de Robert
27 ______. Ofício 027/74 – AESI/UFES. Vitória: 1974. 28 ______. Ofício 125/74 – AESI/UFES. Vitória: 1974. 29 ______. Ofício 124/74 – AESI/UFES. Vitória: 1974. 30 ______. Ofício 127/74 – AESI/UFES. Vitória: 1974. 31 ______. Ofício 088/74 – AESI/UFES. Vitória: 1974. 32 ______. Ofício 086/74 – AESI/UFES. Vitória: 1974. 33 ______. Ofício 36/74 – AESI/UFES. Vitória: 1974. 34 ______. Ofício 03/74 – AESI/UFES. Vitória: 1974. 35 ______. Ofício 215/74 – AESI/UFES. Vitória: 1974. 36 ______. Ofício 217/74 – AESI/UFES. Vitória: 1974.

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Moore; “All Juiced Up”, de Verônica King; “Jeff”s Trade”, de Roger St. Clair; e “Cruise Ship”, de Py Jay Geene; “Kim Il Sung - Obras escondidas”. Em 1975, alertava-se para a possível entrada de literatura “subversiva” comunista na universidade. Assim, a referida agência alertava aos Centros sobre a atuação do “comunismo internacional”, que estaria disseminando obras comunistas “a livreiros de faculdades e universidades por meio da Livraria Camões”37 As cerimônias de formatura também não escaparam da vigilância repressiva. Isso porque os órgãos de informação compreendiam que, muitas vezes, tais momentos poderiam ser utilizados como tribuna de protestos contra o governo, o que implicou em sua normatização pelo MEC38, em 1973 (MOTTA, 2014, p.218). Dessa forma, em 1974, o CBM/UFES recebeu pedidos da chefia da AESI/UFES acerca de informações sobre os discursos a serem proferidos por oradores, paraninfos e patronos, homenageados das turmas formandas39. Em resposta, sua direção envia os programas e homenageados dos cursos de medicina40 e odontologia41 nas formaturas que ocorreriam em dezembro daquele ano, assim como os discursos42 a serem proferidos em homenagem aos médicos e dentistas que adquiriam sua graduação. A circulação de ideias e o contato dos Centros, estudantes e professores, com influências internacionais também eram monitorados. Por meio de ofícios encaminhados ao CAR43, CBM44 e CCJE45, a ASI/UFES questionava, em 1975, sobre o convite para a participação no “Encontro de Universidades Latino-Americanas”, que seria realizado em março daquele ano, em Bogotá, na Colômbia. Essa preocupação refletia a orientação da DSI/MEC no sentido de se tentar bloquear contatos de estudantes e professores universitários com países do bloco socialista, reforçando a burocratização dos pedidos de afastamento para a participação em eventos no exterior, e dificultando o desenvolvimento da carreira de possíveis “docentes subversivos” (MOTTA, 2014, p.224).
37 ______. Ofício 174/75 – AESI/UFES. Vitória: 1975. 38 Em 1973, por meio do aviso n.873/73, o Ministro da Educação e Cultura, Jarbas Passarinho, normatizou a
organização de eventos de caráter científico, acadêmico, cultural e esportivo, com o objetivo de censurá-los (MOTTA, 2014, p.218)
39 Acervo Comissão da Verdade UFES. Ofício 236/74 – AESI/UFES. Vitória: 1974. 40 ______. Ofício 05/74 – CBM/UFES. Vitória: 1974. 41 ______. Ofício 07/74 – CBM/UFES. Vitória: 1974. 42 ______. Ofícios nº 08/74 – CBM/UFES e nº09/74 – CBM/UFES. Vitória: 1974. 43 Acervo Comissão da Verdade UFES. Ofício 021/75 – AESI/UFES. Vitória: 1975. 44 ______. Ofício 023/75 – CBM/UFES. Vitória: 1975. 45 ______. Ofício 020/75 – CBM/UFES. Vitória: 1975.

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O controle sobre a comunicação da comunidade universitária com outros países, especialmente os que poderiam contribuir com o avanço comunista nos campi, é evidente. Em documentos encaminhados ao CAR46 e ao CBM47, em 1975, a AESI/UFES alertava para a necessidade de tomar nota das correspondências internacionais que chegassem aos Centros. O indicativo desse controle sobre o recebimento de correspondências dos Centros pode ser evidenciado na resposta remetida pela direção do CBM, em 04 de julho, lembrando à chefia da agência que já enviava as correspondências recebidas48, explicitando sua coação. A própria movimentação de estudantes e professores estrangeiros nos campi era vigiada pela AESI/UFES. Os documentos atestam o interesse sobre os discentes estrangeiros que frequentavam oficialmente a universidade como “estudantes-convênio”: a agência almejava informações sobre os motivos da vinda, o tempo de sua permanência e a origem do custeio dos estudos. Tal situação aparece nos ofícios encaminhados, em 30 de junho de 1975, ao CAR49, CCJE50 e CBM51. A chefia da ASI/UFES também buscava informações sobre docentes estrangeiros na universidade, o que motivou, nesse mesmo ano, uma solicitação oficial emitida ao CAR52, CCJE53 e CBM,54 pedindo dados de identificação pessoal e profissional desses docentes. Por final, cabe atentar para, talvez, uma das principais funções das AESIs no cotidiano das universidades brasileiras: o monitoramento e o controle das atividades dos movimentos estudantis. Na UFES, os documentos evidenciam alguns traços dessa realidade. As atividades de representação estudantil recebiam significativa atenção da AESI/UFES. A legitimação de candidaturas dependia de consulta à respectiva chefia da Assessoria, que discriminava a conduta dos universitários que pleiteavam os cargos junto aos Diretórios Acadêmicos, Colegiados, e Conselhos Universitários. Em 1974, foram encontradas respostas remetidas pela AESI/UFES, possivelmente, às solicitações oficiais de abono ou desabono de conduta, feitas pelos Centros. Assim, em 26 de setembro, o ofício assinado pelo chefe da agência,
46 ______. Ofício 113/75 – AESI/UFES. Vitória: 1975. 47 ______. Ofício 118/75 – AESI/UFES. Vitória: 1975. 48 ______. Ofício 02/75 – CBM/UFES. Vitória: 1975 49 ______. Ofício107 /75 – CBM/UFES. Vitória: 1975. 50 ______. Ofício 109/75 – CBM/UFES. Vitória: 1975. 51 ______. Ofício 112/75 – CBM/UFES. Vitória: 1975. 52 ______. Ofício 167/75 – AESI/UFES. Vitória: 1975. 53 ______. Ofício 165/75 – AESI/UFES. Vitória: 1975. 54 ______. Ofício 179/75 – AESI/UFES. Vitória: 1975.

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Alberto Monteiro, comunica o “nada consta” a respeito da conduta de candidato à representação de órgãos colegiados junto ao Centro de Biomédicas:
Senhor Diretor, vimos, pelo presente, comunicar à Vossa Senhoria de que nada consta até a presente data nesta Assessoria, que desabone a conduta do estudante Emílio Maneri Neto, candidato a Representante dos órgãos colegiados junto a êsse (sic) Centro55.
No ano de 1975, há indicações de um aumento do monitoramento da AESI/UFES sobre o movimento estudantil, o que coincidiu, e possivelmente, refletia o processo de reorganização dos Diretórios e Centros Acadêmicos da UFES56 (MOREIRA, 2008). Neste contexto, é possível verificar a atenção destinada pela AESI/UFES à identificação e qualificação de conduta dos candidatos aos espaços de representação estudantil. Em 25 de junho de 1975, a chefia da AESI/UFES informava à direção do CAR a inexistência de informações que impedissem a participação em pleito, para a direção do Diretório Acadêmico “Carlos Cavalcanti”, das estudantes Márcia Braga Capovilla, Marivani Lacerda da Costa, Rita de Cássia Cola, Nádia Cortes Batista e Eliane de Oliveira Sá. Por outro lado, “não recomendava” a candidatura de Paulo Cesar Henriques Jeveaux, por constarem seus dados nos arquivos da Assessoria57. Da mesma forma, em 22 de agosto, a AESI/UFES solicitou dados de qualificação acerca dos membros pertencentes aos respectivos Diretórios Acadêmicos do CAR58, CCJE59 e CBM60. Mais tarde, em 05 de dezembro, tal procedimento se repetiu nas eleições de representantes discentes no Conselho Departamental do CAR61. Assim, evidencia-se a intervenção direta da agência na organização política dos estudantes, limitando suas escolhas e possibilidades nas entidades representativas no campus capixaba.
55 Acervo Comissão da Verdade UFES. Ofício 193/74 – AESI/UFES. Vitória: 1974. 56 Vale verificar que tal fenômeno não foi específico aos universitários capixabas: nesse período, as ações do
movimento estudantil brasileiro se rearticularam, despertando o reforço da produção de informações pelas Assessorias Especiais de Segurança e Informação universitárias (MOTTA, 2014, p.201).
57 Acervo Comissão da Verdade UFES. Ofício 106/75 – AESI/UFES. Vitória: 1975 58 ______. Ofício 147/75 – AESI/UFES. Vitória: 1975. 59 ______. Ofício 150/75 – AESI/UFES. Vitória: 1975. 60 ______. Ofício 148/75 – AESI/UFES. Vitória: 1975. 61 Naquela ocasião, a AESI respondia ao ofício nº252 – CAR/UFES de 20 de outubro de 1975, e não localizado
pela CV/UFES, comunicando ao diretor do centro o nada consta a respeito da conduta das estudantes Maria Silva Lima, Dalmir Pereira dos Santos, Rowena Vianna Vassallo, Liliane de Oliveira Gabeira, Suzana Pimentel da Costa, Giovanna Barbosa Soneghet e Izabel Maria Stein, o que permitiria a participação das referidas alunas como candidatas à representantes do corpo discente no Conselho Departamental e nos Departamentos do Centro. ACERVO COMISSÃO DA VERDADE UFES. Ofício 210/75 – AESI/UFES. Vitória: 1975.

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A partir da análise desses documentos, percebe-se que a triagem ideológica fazia parte das tarefas dos agentes de informação na comunidade universitária capixaba, visando eliminar potenciais lideranças estudantis de caráter opositor e ou que fossem identificadas com a “subversão”. Dessa forma, limitava-se a autonomia dos estudantes em suas pretensas atividades políticas. A documentação analisada permite evidenciar, também, indícios dos impactos da vigilância na rotina dos campi e as maneiras como funcionários e estudantes lidavam com ela. A preocupação em levantar, antecipadamente, possíveis impedimentos para as candidaturas por parte dos Centros de ensino, permite refletir sobre os possíveis mecanismos de autocensura que poderiam emergir no cotidiano da universidade. Possivelmente, o medo das intervenções dos agentes repressivos pode ter impedido que estudantes ocupassem espaços de representação e mobilização estudantil, por medo de serem enquadrados na legislação autoritária vigente, ou inseridos no rol daquilo que se considerava subversivo. Neste sentido, Motta (2014, p.202) interpreta e traduz esse cenário, quando afirma que:
[...] os agentes de informação vigiavam com a mesma intensidade subversivos políticos e indivíduos moralmente ‘desviantes’ – usuário de drogas, adeptos de práticas sexuais não convencionais – o que revela a influência marcante sobre eles da cultura conservadora. As atividades realizadas por essas agências, mais sua aura de segredo e mistério já que poucos sabiam como elas funcionavam e quais os seus limites, conferiu-lhes poder e disseminou o medo.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A documentação produzida pelas Assessorias Especiais de Segurança e Informação nas universidades públicas brasileiras constitui um acervo fundamental para o esforço historiográfico no sentido de compreender a dinâmica de atuação e os impactos desses órgãos repressores no cotidiano das comunidades acadêmicas. Eles se enquadram naquilo que é genericamente definido como “arquivos da repressão”: “[...] conjuntos documentais produzidos pelos órgãos de informação e segurança do aparato estatal em ações repressivas, durante períodos não democráticos” (BAUER; GERTZ, 2011, p.177). Expressando a rotina das atividades repressivas, eles são capazes de revelar a lógica de funcionamento e o próprio caráter dos órgãos que os produziram. Como “documentos de

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arquivos”, os arquivos da repressão possuem força probatória por serem “subprodutos de atividades praticadas por instituições e indivíduos no cumprimento de suas funções, de acordo com os padrões jurídicos da sociedade em que se inserem” (CAMARGO, 2009, p.427-428). Assim, possuem estreita proximidade com os fatos, pois são resultados naturais da rotina burocrática, nascendo das necessidades práticas e instrumentais do cotidiano das operações de segurança e informação. Já surgem como provas, registrando as atividades realizadas, com função imediata de nortear e criar conjecturas para tomada de decisões (CAMARGO, 2001, p.4). Dessa forma, a análise de parte da documentação produzida pela AESI/UFES, aqui apresentada, pode contribuir para revelar sobre a dinâmica repressiva implantada pelo órgão na Universidade Federal do Espírito Santo. Assim, é possível evidenciar o tipo de informação que se privilegiava coletar, o trâmite informacional, os alvos e o caráter das intervenções promovidas pela Assessoria sobre a vida universitária. A documentação revelada pelos trabalhos da Comissão da Verdade UFES abre novos caminhos investigativos sobre os mecanismos repressores lançados pela ditadura para monitorar, censurar, e controlar comportamentos e ideias no seio das diferentes comunidades universitárias brasileiras. Reforça-se, assim, a relevância do debate sobre as consequências da implantação de um instrumento repressivo no interior dos campi, pelo regime militar, e seus impactos específicos, como na trajetória da UFES. Nessa direção, cumpre-se a função histórica da conservação da memória e da busca pela identificação dos responsáveis pelas violações cometidas pelo Estado brasileiro nesses espaços. 4. REFERÊNCIAS 4.1. Documentação Primária Acervo Comissão da Verdade UFES. Vitória: 1974-1975. 4.2. Bibliografia de apoio ANGELO, Vitor Amorim de. Luta armada no Brasil. São Paulo: Claridade, 2009.

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